"El CID"
Não, não se trata do herói espanhol Rodrigo Diaz, protagonista do filme que titula esse texto, interpretado pelo presidente da Associação Nacional do Rifle, nos Estados Unidos, Charlton Heston.
O ano é 1.975. Nana Caymmi e Emílio Santiago gravam LPs, pela CID – Companhia Industrial de Discos, do diretor artístico Durval Ferreira, o “Gato”, que, com sua “Batida diferente”, levou um pouco de “balanço zona norte” ao desabrochamento bossa-novista da zona sul carioca do início da década de 60.
O ex-“crooner” da banda de bailes do “rei dos teclados” dos 60 e 70, o cearense Ed Lincoln, e a “Branca”, filha do mulato Dorival, deixaram registradas, em 1.975, sobretudo, músicas de amor. Cada um à sua maneira, Nana e Emílio cantaram coisas do amor, sem se esquecer do suingue, em alta naquele momento, lembrado pelo samba estilizado de “Passarela” (Carlos Dafé) e pelo indefectível “míusiqui” do “Brother” Jorge Ben (Jor).
Dizer que a família Caymmi é uma das mais musicais do país não é nenhuma novidade. Além do patriarca Dorival, para quem “todo caminho deu no mar”, como atesta o pequeno texto escrito por ele para a contracapa do disco de sua descendente, seus três filhos, Dory, Nana e Danilo, também se enveredaram pela música. Dorival é imbatível. É o maior cantador do mar continental do Brasil. Sua fixação pelas águas marinhas foi tanta que se casou com Stella Maris, a Estrela do seu Mar. As suas “canções praieiras” têm a simplicidade e a complexidade dos caiçaras e dos pescadores, subsistentes daquilo que colhem ao redor e dentro do mar.
Mas não só as praieiras, junto com sua voz rouca e firme, foram responsáveis por torná-lo o artista Dorival Caymmi que é. Suas composições românticas de temática universal, feitas durante o período em que morou no Rio de Janeiro, como “Só louco”, “Nem eu”, “Sábado em Copacabana”, usam do amor sem a burocracia e o pedantismo beletrista que caracterizaram as décadas de 40 e 50. São clássicas, pois.
Nana chegou ao auge da sua maturidade profissional nos anos 70 do século passado. Seu disco de 1.975 é talvez a obra mais bem acabada de toda a sua carreira, ao mostrar sua ótima técnica vocal, que lhe é tão cara. Vai rapidamente do grave ao agudo, ligeira. Impressionante. Comovente. Em “Medo de amar”, de Vinicius de Moraes, Nana tenta nos fazer compreender que "o ciúme é o perfume do amor”, só para se ter uma breve noção da intensidade daquilo que sua voz transmite.
Com repertório eclético (de quando atribuir a algo ou alguém essa adjetivação não era ofensivo), parte do nepotismo fraterno dos arranjos de Dory e alcança compositores próximos da sua geração, como Ivan Lins (“Tens”), Carlos Dafé (autor da já citada “Passarela” e de “Acorda que eu quero ver”) e Toninho Horta, com seu “Beijo partido”, mensageiro de lapidar sinceridade.
Para deleite dos fetichistas, o álbum de 1.975 conta com o toque do piano de Tom Jobim em “Canção em modo menor” e, para satisfação dos tecnicistas, com o contracanto de Milton Nascimento em “Ponta de areia”. Acima de tudo, paira a derradeira atuação em disco do simbólico pianista Tenório Jr., vítima fatal do erro mais velado à que a chamada “Operação Condor”, arquitetada pelas ditaduras militares dos países integrantes do Cone Sul, deu causa.
Nana, ainda pela CID, gravou mais um disco em 1.976, “Renascer”, em que começava a aparecer o ranço melodramático caracterizador de suas atuações desde então.
O disco de Emílio Santiago apresenta um plantel de compositores e instrumentistas, das antigas e da hora, capitaneados pelo produtor Durval Ferreira. Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito (“Quero alegria”), Zé Kéti (“Nega Dina”), o flautista Copinha e os trombonistas Maciel representam a “velha guarda”. João Donato, Ivan Lins (“Depois” e “Doa a quem doer”), João Nogueira (“Batendo a porta”), o cultuado grupo Azimuth e o guitarrista Helio Delmiro, além de uma composição do casal Edson e Tita Lobo (“Sessão das dez”), exibem sua mocidade musical.
Emílio acabou perdendo o foco no espectro de cores das “Aquarelas brasileiras”, sem antes deixar consignado “Feito para ouvir” (Phonogram-Universal/1.977), disco de canções amorosas, no limite do romantismo desenfreado.
Nana tentou reinventar-se nos anos 90, gravando um CD de boleros (EMI-Odeon/1.993) e outro em homenagem a Dolores Duran (“A noite do meu bem”, EMI-Odeon/1.994).
A CID, por sua vez, acompanhou, à sombra, o trajeto em declive de Emílio Santiago, ou vice-versa. No fim da década de 80, a gravadora “lançava” LPs de “covers” de Julio Iglesias, embalados por capas com mulheres de maiô, vendidos nos supermercados da hiperinflação. Em seu catálogo, constam coletâneas e mais coletâneas de músicas, digamos, eufemisticamente, “românticas”.
A indústria discográfica de Durval Ferreira garantiu-lhe sustento ao longo da vida, pondo na ciranda discos do malandro Bezerra da Silva, sucesso em vendas, mas não propiciou seu “début” solo, ocorrido em 2.004 (!), com a gravação de “Batida diferente”, seu primeiro disco autoral, pelo selo então recém-inaugurado, “Guanabara Records”, idealizado por “amigos do Rio”. Por que demorou tanto tempo para lançar um álbum próprio e ainda por outra gravadora? Com ou sem vergonha? Pura ironia? Não importando a resposta dada, “Estamos aí”.
Fotos: Alexandre de Souza Lima e Ronaldo Cientista
Colocado originalmente em 15/08/05 no domingosjunior.multiply.com
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