Monday, October 10, 2005


Pavão, sim; tucano, não

Como se sabe, o tucano e ex-weberiano Fernando Henrique Cardoso tem porte de pavão, mas há muito já mostrou a que veio. Ednardo e “O romance do pavão mysteriozo” (RCA/Sony-BMG, 1.974), ao contrário, deixou escondidas as plumas do pré-desbunde da dita MPB.

Assistindo as letras cultuadas pelas tão queridas “forças ocultas”, havia a produção muito experta do radialista Walter Silva, o Pica-Pau, responsável pela promoção da bossa-nova em São Paulo. Dado o seu perfil um tanto conservador, impossível cogitar que estivesse brincando de produzir discos, aventurando-se no desconhecido, ainda mais tendo em vista ter confiado a elaboração e a execução dos arranjos a Hareton Salvanini, autor de trilha “cult” de pornochanchada (“A virgem de Saint-Tropez”) e de temas para programas da tevê Record (“Cidade alerta”).

Difícil é saber o ponto em que a criatividade humana acaba e cede o lugar à emulação. A faixa n°. 5 do disco é a contribuição de Ednardo para anuviar a questão. “Varal”, no clima dos filmes “blaxpoitation”, com todo o vigor necessário para fazer corar o “cast” da gravadora norte-americana Stax (“Shaft”), talvez tenha posto à prova o recado de Marcos, Paulo Sérgio Valle e Osmar Milito “Ao amigo Tom”, ao tentar convencê-lo a ficar no Brasil, no início da década de 70, para quem, até então “não deu ninguém maior do que Drummond”.

Não deu até hoje e isso é um consenso, mas o “Sentimento do mundo” e a visão crua da realidade reverberaram em Ednardo (pelo menos nesse trecho de “Varal”, composta com Tânia Cabral):

“No varal a roupa ao vento
E no vento a voz da rua
E na rua o transitar
Gente apressada a passar
Na parede o calendário
No calendário outro dia
E no dia a mesma espera
De nada esperar um dia
No umbral da porta já torta
Assombra o sombrio olhar
E no olhar coisas mortas
Que ninguém virá velar
E no olhar coisas mortas
Que ninguém virá velar”

O juízo de valor resta a quem sente.
Colocado originalmente em 04/09/2.005 no domingosjunior.multiply.com.

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