Monday, March 13, 2006

Tupã

Listas... Qual o maior (ou melhor?) cantor brasileiro de todos os tempos? Nelson Gonçalves? Francisco Alves? Wilson Simonal? Dick Farney? Orlando Silva? João Gilberto? Roberto Carlos? Altemar Dutra? (E o Agnaldo Timóteo? E o Waldick Soriano?)

Ou... Cauby Peixoto? “O maior cantor do Brasil”, dizem a seu respeito. Pelo sim ou pelo não, é um grande artista/personagem da música.

“Cauby” (1976/Som Livre) comprova, à parte seus maneirismos vocais (bem contidos aqui, por sinal), que o “Professor” pode cantar tangos, boleros e sambas, como um autêntico “crooner”. O “Frank Sinatra brasileiro”... Sinatra, aliás, já foi homenageado por Cauby em disco recente da década de 90.

De fato, Cauby, nos anos 60, era o “crooner” da boate “Drink”, no Leme, Rio de Janeiro, casa arrendada do empresário e músico Djalma Ferreira pelos quatro irmãos da família Peixoto: Moacyr, pianista, Araken, trompetista, Andyara, cantora (“a rainha dos cassinos”) e Cauby, o intérprete.

Cauby, assim como seu primo Cyro Monteiro, era também “sobrinho de Nonô” (Romualdo Peixoto no livro do registro civil), um dos principais modernizadores do samba nas décadas de 20 e 30.

Vinicius de Moraes e Baden Powell, “especialmente para Cyro Monteiro”, citaram seu nome no famoso “Samba da bênção”, como o sobrinho de Nonô. Cauby não constava da lista de nomes elencados por Vinicius. Não ganhou um saravá do “preto mais branco do Brasil”. Pudera... Para os puristas, Cauby era um mero intérprete, que disseram voltou americanizado, ao passo que Cyro cantava de forma especialíssima, sincopada, “na cadência do samba”, tendo por acompanhamento o indefectível batuque de sua caixinha de fósforos.

Vivo, Cauby é o maior dos intérpretes brasileiros. Sua presença nos palcos é marcante, com aquela aura andrógina de Ney Matogrosso e Maria Bethânia. Sua voz de timbre grave e aveludado é única.

“Cauby”, de 1976, é majoritariamente um disco de sambas do “compositor da fossa”, Adelino Moreira, também produtor do disco.

Na primeira faixa, “Perdão, Mangueira”, um sambão quase-jóia, daqueles que crescem à medida que terminam, de Rutinaldo e Adelino Moreira, Cauby já está à vontade, no comando do coro que repete o refrão.

O sentimentalismo afetado (ou brega, como preferem alguns) não deixa de pautar “Lencinho querido” (“El pañuelito”), canção de C. Coria Peñalosa e Juan de Dios Filisberto, versionada por Maugéri Neto: “guardo o lencinho branco/manchado pelo carmim dos teus lábios/quando te beijei”.

“Pecado ambulante” (Adelino Moreira), “Onde anda você” (Vinicius de Moraes/Hermano Silva), “Duas contas” (Garoto) têm como tema o amor romântico e saudoso, "aboleirado", à moda dos anos 50, com destaque para o trombone de gafieira do espetacular maestro Nelsinho na faixa de Adelino Moreira.

Irrepreensível a gravação do tango “Jura-me” (“Jurame”), da ótima Maria Grever, em versão de Ariowaldo Pires. Cauby, “com fervor e com loucura”, confessa: “tenho medo que a sombra de outro afeto/desfaça um dia esta visão tão clara”.

“O surdo” (Totonho/Paulo Rezende), sucesso na voz de Alcione em seu disco de estréia no ano anterior, é a versão setentista de “dói, um tapinha não dói”, hino fetichista-feminista do chamado funk “pancadão” carioca.

Newton Teixeira, grande compositor retomado por Nara Leão no seu disco “Opinião de Nara”, teve regravados por Cauby dois de seus clássicos: “Malmequer” e “Avenida iluminada”.

“O que foi que eu fiz”, de Augusto Vasseur e Luiz Peixoto, sucesso de Nora Ney na década de 50, em sua primeira parte é adornada por um competente conjunto de choro, incluindo um elegante violão de sete cordas, e pela voz em tom baixo e suave de Cauby. Na segunda parte, a faixa é recortada por um arranjo de cordas suntuoso e polvilhada por um discreto piano elétrico Fender Rhodes.

“Cansei” (Celso Castro/Raul Sampaio) encerra o disco com uma certa malandragem, do tipo em que se dá “soco em faca de ponta”.

Cauby desorientou-se a partir da década de 70. Acumulou críticas injuriosas e baixas vendagens de discos e passou a se apresentar em pequenas casas de show. Trocou o figurino Clark Gable por um guarda-roupas “glitter”, de fazer inveja às estrelas do glam-rock de David Bowie.

O “bel canto”, predominante na música brasileira antes da consagração da bossa-nova e da natimorta tropicália, ficara “cafona”, embora não nunca tivesse deixado de agradar aos ouvidos do “povão”. Justifica-se afirmando que o povo escuta o que lhe é posto. Para inverter o “status quo ante”, é necessário doutriná-lo com o que há de mais puro (o samba de Cartola, por exemplo) ou com o que há de mais avançado (como as vanguardas introduzidas a partir do tropicalismo). Na transição, artistas do quilate do professor Cauby Peixoto vagaram sem rumo, errantes como “a volta do boêmio” de Adelino Moreira.

Buscar os louros da crítica ou o sucesso do público? Tentar ler poemas pretensamente cantados à moda concretista ou entoar boleros e baladas românticas universais?

No disco “Cauby! Cauby!”, de 1980, talvez haja a resposta: Chico Buarque, Caetano Veloso, Silvio Caldas e Orestes Barbosa, pupilos e mestres, fizeram uma pajelança em louvor ao aluno e professor Cauby Peixoto.

* Com a inestimável colaboração pictórica de Arturo Guerra-Peixe de Aguiar