Wednesday, January 24, 2007


Na Zingu! 4 n°. 1

“Nascida e criada na melhor sociedade de São Paulo”, Maria Thereza ganhou notoriedade mais pela sua indefectível mecha branca nos cabelos, do que pela música que produziu e até mesmo pelo próprio nome, partilhado com o da mulher do ex-presidente João “Jango” Goulart, a elegante primeira-dama do Brasil do início dos anos 60.

Mulher, profissão artista, não era vista com bons olhos ainda no final dos anos 50, apesar do estrondoso sucesso de Carmen Miranda nas décadas anteriores. Na música clássica, a intérprete Guiomar Novaes era respeitadíssima pela excelência do seu teclado, mas, na popular, especialmente a cantada, qualquer artista mulher passava ao largo do prestígio de que dispunham seus pares do sexo masculino. Carolina Cardoso de Menezes e Tia Amélia eram muito consideradas como pianistas populares de marchinhas, chorinhos e “tanguinhos brasileiros”. Mas o que dizer das cantoras? E das cantoras e compositoras? Mais ainda: das cantoras, compositoras e violonistas? Eram motivo de vergonha dos pais, por levarem uma dita “vida fácil”, no mínimo.

Aberto o caminho por Aracy Cortes, Dalva de Oliveira, Aracy de Almeida, Nora Ney e Elizeth Cardoso, dentre outras, o surgimento de Doris Monteiro – sempre acompanhada pela mãe, frise-se - como cantora, Maysa, como cantora e compositora, e de Inezita Barroso, como cantora e violonista, foi o estopim para o boom de cantoras personalistas da bossa-nova: Sylvia Telles, Nara Leão, Wanda Sá e de outras de repertório mais conservador como Dulce Salles Cunha Braga (socialite paulistana que enveredou também pela política) e da própria Maria Thereza, a “Mecha Branca”.

Maria Thereza, de voz suave, sem afetações - em suma, uma diseuse -, estreou a carreira fonográfica justamente com o disco que contém seu maior êxito, o samba-canção autobiográfico “Mecha Branca”, pela etiqueta Copacabana, circa 1960. O álbum incluía interpretações de standards da música de então: “Trying”, de Billy Vaughn, “A noite do meu bem”, da também cantora e compositora Dolores Duran, “Cry me a river”, de Arthur Hamilton, perpetuada pela gravação de Julie London anos antes, “Smile”, de Chaplin, Turner e Parsons, incluída na banda sonora de “Tempos modernos”. Afora “Mecha Branca”, Maria Thereza compôs e gravou no disco homônimo, além de cantá-las e tocá-las ao violão, “Se você quer ficar”, “Se o meu coração falasse” e o delicioso sambalanço – pejorativamente chamado de “samba de teleco-teco” – “Convencido do sete, sete, nove”. Há ainda que se destacar dois outros belos sambas-canção: “Além” de Sidney Morais (um dos irmãos do sensacional Os Três Morais) e Edison Borges e “Suas mãos”, clássico de Pernambuco e Antônio Maria.

Ainda na década de 60, Maria Thereza deixou registrado “Novamente, Mecha Branca”, na mesma Copacabana, que juntamente com o disco anterior, serviu de material para um exemplar da série de coletâneas “Colagem” no final dos 60.

Nos anos 70, Maria Thereza, assídua participante do programa televisivo de Flávio Cavalcanti, gravou mais dois álbuns: o impressionante “Pra matar saudade”, com capa tipo “jaqueta”, ilustrada à la Elifas Andreato, de 1976, e “Simplesmente, coração”, de 1979, ambos editados pela EMI-Odeon e arranjados pelo maestro José Briamonte.

“Pra matar saudade” cumpre fielmente seu objetivo. Logo na primeira faixa fez-se um “medley” que incluía: “Mecha Branca”, “Castigo”, de Dolores Duran, “Eu não sou de reclamar”, de Lupicínio Rodrigues, “Franqueza”, de Denis Brean e Oswaldo Guilherme, “Se eu morresse amanhã de manhã”, de Antonio Maria, “Não tenho você”, de Ary Monteiro e Paulo Marques e “Chuvas de verão”, de Fernando Lobo, para depois desfilar clássicos “dor-de-cotovelo” da canção brasileira, adornados por arranjos belíssimos de Briamonte: “Proposta”, e a subestimada “O show já terminou”, de Roberto e Erasmo Carlos, “Nunca mais”, de Dorival Caymmi, “Pra você”, de Silvio César, “Tarde triste”, de Maysa, “Universo no teu corpo”, de Taiguara e a declamação de “Você”, poema capaz de fazer corar uma Cecília Meirelles, que fecha o álbum de forma absolutamente aterradora.


Discografia:
Mecha Branca – Copacabana – CLP11134 – 1960?
Novamente, Mecha Branca – Copacabana – CLP11433 – 1963?
Série Colagem (coletânea) – Copacabana – CGLP40402 – 1969?
Pra matar saudade – EMI-Odeon – SXMOFB3914 – 1976
Simplesmente, coração – EMI-Odeon - 1979