Thursday, January 19, 2006

"Baila comigo"

Lançada em 2005, a coletânea “Diferente” tem como objetivo maior apresentar-nos o lado “respeitável” da carreira de Vanusa.

Seguindo o receituário que ainda é prescrito, para ser considerada uma artista de primeira linha da dita música popular brasileira, é preciso ter estofo. Deve-se gravar composições renomadas, de autores considerados “sérios” pelo “establishment” cultural: Caetano Veloso, Belchior, João Bosco, Milton Nascimento, Zé Ramalho...

“Diferente” cumpre seu propósito. Vanusa pode (muito bem, por sinal) interpretar as canções fossilizadas pelos “medalhões”, mas, como artista, sua singularidade se dá justamente quando ultrapassa as barreiras e se sobrepõe aos cânones da “MPB”.

“Vanusa” (1969/RCA-Sony&BMG) mostra que não só Gal Costa poderia fazer um disco psicodélico no final dos anos sessenta. Com Rogério Duprat e a intelectuália contando a favor, é remota a possibilidade de que Gal tenha ficado estafada.

A começar pela capa (e por onde anda Tebaldo?), antecessora da moda “physical” de Olivia Newton-John e d’As Frenéticas de “Dancin’ days”. A foto, tremida, dá a impressão de movimento, embaralhando as cores, forjando uma imagem psicodélica, “viajandona”.

O repertório inclui “Que você está fazendo neste lugar tão frio”, da dupla iniciante no “samba-rock”, Tom Gomes e Luiz Wagner, “O que é meu é teu”, de Silvio Brito, “Hei sol”, do cearense Dom, que viria a compor com Ravel a parceria mais “maldita” dos anos de chumbo, um “cover” de “Sunny”, uma composição autoral, “Eu sei viver sozinha”, “Caminhemos” (um pouco deslocada aqui...), de Herivelto Martins, e uma versão para “Hey Joe”, de Jimmy Hendrix feita pelo Demétrius. Todas com arranjos do maestro Portinho.

A faixa mais atraente, sobretudo pela sua contemporaneidade, com ecos e gritinhos à la Yoko Ono, é “Atômico platônico”, de Jean Garfunkel e Fernandes. Radioatividade e explosão nuclear eram expressões da ordem do dia, ao lado do “paz e amor”.

Vanusa, depois casada com o ultra-romântico Antonio Marcos, compôs e cantou outras músicas sobre o amor não-correspondido. Mas esses versos de “Atômico platônico” são simbólicos, por tudo o que representam: “Meu coração já se desintegrou nessa cruel e triste guerra de amor”.