"Feito em casa"
Não precisa torcer o nariz. O guisado não queimou, nem o caldo entornou no caldeirão. E a Iá-Iá ainda fez quindim para a sobremesa.
Sim, Sergio Mendes. O "vendido", como a dita "esquerda festiva" d'"O Pasquim" gostava tanto de repetir lá no início dos anos 70. Certamente o nome latino o ajudou a firmar a estaca do sucesso nos "States", mas sem seu talento, não haveria carreira que pudesse se sustentar, aqui, ali, em qualquer lugar.
Dez anos depois da versão "bubblegum" de "Mas, que nada" (Jorge Ben), Sergio Mendes tinha formado mais um grupo para acompanhá-lo, o Brasil 77, com quem gravou esse "Home cooking" (1976/Elektra-RCA-Sony&BMG).
Como bem descreve o "expert" Arnaldo DeSouteiro no texto incluído no encarte do disco relançado, dentro da série "RCA Original", o som do momento era o "fusion", um "mish-mash" de jazz, rock e funk, regado a r'n b.
A produção certeira feita por Mendes e a participação de excelentes músicos como Claudio Slon (bateria e percussão), Paulinho da Costa (percussão), Frank Rosolino e Raul de Souza (trombone), Oscar Castro Neves (violão), Michael Sembello (guitarra), Don Meza (sax tenor) e Hermeto Pascoal (flauta e Hammond) contribuem para que "Home cooking" seja quase um disco de "fusion". Não chega a tanto, graças ao balanço de Paulinho e ao pendão funky dos baixistas Chuck Rainey e Louis Johnson.
A presença de Gilberto Gil, se não bonifica, tampouco atrapalha, especialmente em "Emoriô" (João Donato/Gilberto Gil), faixa em que o baiano diz aquelas coisas sem lé nem cré, como é de sua praxe.
"Sunny day" e "It's so obvious that I love you" são o "must" do disco. A primeira é uma pérola pop. Os "riffs" inspirados de guitarra, as vozes poderosas das vocalistas, os trombones e o piano Fender Rhodes de Sergio Mendes que transpassa toda a faixa. Além do refrão deliciosamente grudento ("sunny day, sunny day, sunny day, yeah-yeah-yeah").
"It's so obvious that I love you", da lavra do casal Carlos e Kate Lyra, viria a ser gravada em 1977 por Nara Leão no LP "Os meus amigos são um barato" (Philips-Phonogram-Universal), só que na versão em português, "Cara bonita", sem dar crédito a Kate Lyra, atual defensora do feminismo no chamado funk carioca, pela participação na composição.
(Nara jamais deixaria registrada, naquele então, uma despretensiosa "canção para inglês ver". O máximo a que se permitiu foi dizer "yeah" em "Sarará miolo", com o beneplácito do tropicalista Gil.)
"Tell me in a whisper" (Edgar Winter/Dan Hartman) poderia ocupar o lugar de qualquer outra faixa numa coletânea "lounge" de restaurante tailandês moderninho. É "new-bossa" como Celso Fonseca e congêneres tentam fazer há vários anos.
Com muita pimenta vermelha, os cozinheiros e seu "Chef" aprontaram uma boa caldeirada, feita em casa. Aqui ou lá. Não importa.