Thursday, October 27, 2005


Muito engenho

"Inserida no Contexto", a irmã da "culta e elegante" Eleonora, Maria Christina Mendes Caldeira, ex-mulher do ex-deputado federal Valdemar Costa Neto, na melhor tradição "se aquieta sinhá", bordava um estofo de algodão para passar as horas, enquanto assistia à acareação de folhetim promovida pela CPMI do "mensalão".
E a pergunta que não quer calar? Quem faz terapia com Mrs. Rosset?

Tuesday, October 25, 2005


Cambalacho
Folha de S. Paulo, domingo, 23 de outubro de 2005, pág. E2
MÔNICA BERGAMO
Você é culto e elegante?
Está em dúvida? Acaba de chegar às livrarias um guia de auto-ajuda para resolver esse dilema.

Até a psicanalista e socialite Eleonora Mendes Caldeira, uma das mais conhecidas anfitriãs da cidade, amiga da ex-prefeita Marta Suplicy, casada com o empresário Ivo Rosset e musa da canção "Morena dos Olhos D" Água", de Chico Buarque, diz que "sempre" se pergunta: "Afinal, o que é ser elegante?". E culta?

Pergunta complicada, resposta mais ainda. Mas os quinze autores do livro "Cultura & Elegância", organizado pelo historiador Jaime Pinsky, acharam que poderiam dar a sua contribuição para que, em capítulos como "o que você precisa ler", "o que você precisa ouvir" e "o que você precisa ver", seus leitores encontrassem um caminho para que se tornar, como diz um deles, "um ser humano mais admirável". O livro acaba de chegar às livrarias. A coluna selecionou os trechos de alguns capítulos:
OS DISCOS
O crítico André Domingues faz a lista de "dez discos brasileiros". E dá outras indicações de obras da MPB obrigatórias para "cultos" e "elegantes", aquelas que "é impossível você ainda não ter ouvido" ("Aquarela do Brasil", de Ary Barroso, "Carinhoso", de Pixinguinha, e "Copacabana", de Alberto Ribeiro e Braguinha) e as que "precisa ouvir" ("Seu Chopin, desculpe", de Johnny Alf, "Influência do Jazz", de Carlos Lyra, e "A Banca do Distinto", de Billy Blanco). O maestro Julio Medaglia apresenta o beabá do clássico e recomenda: "Comece pelo canto gregoriano". O crítico Carlos Calado indica os discos de jazz.
DICAS
1)"Não use em grandes quantidades loção, perfume, mousse ou qualquer produto que possa causar alergia a seus vizinhos num concerto. Muitos espirros e tosses seriam evitados se as pessoas pensassem nos outros ao se arrumar para o evento", diz Medaglia;
2)"Não bata os pés, não tamborile os dedos, não fique mudando a cabeça de posição o tempo todo;
3)"Nunca aplauda entre os movimentos. Se não souber quando aplaudir, espere que os outros o façam antes".
DEZ DISCOS BRASILEIROS
"Bebadosamba" (Paulinho da Viola)
"Cartola" (1976)
"Caymmi: Amor e Mar"
"Clube da Esquina" (Milton e Lô Borges)
"Construção" (Chico Buarque)
"Elis & Tom"
"O Grande Circo Místico" (Chico Buarque e Edu Lobo)
"O Mito (The Legendary)" (João Gilberto)
"Rosa de Ouro" (Clementina de Jesus, Aracy Côrtes e Conjunto Rosa de Ouro)
"Tropicália ou Panis et Circensis" (Caetano, Gil, Tom Zé, Nara Leão e Os Mutantes)
DEZ DISCOS DE JAZZ
"Bird and Diz" (Charlie Parker & Dizzy Gillespie)
"Birth of the Cool" e "King of Blue" (Miles Davis)
"Black Codes" (Wynton Marsalis)
"Ellington at Newport" (Duke Ellington)
"Free Jazz" (Ornette Coleman)
"Hot Fives, vol.1" (Louis Armstrong)
"I Sing the Body Electric" (Weather Report)
"Mingus Ah Um" (Charles Mingus)
"Presents the Bandwagon" (Jason Moran).
CLÁSSICOS
"A Sagração da Primavera" (Igor Stravinsky)
"Gymnopedies" (Erik Satie)
"Till Eulenspiegel" (Richard Strauss)
"Noturnos" (Debussy)
"Carmina Burana" (Carl Orff)
TEATRO
"Vá a teatro, mas não me convide". A frase, diz Alberto Guzik, que é ator, diretor, dramaturgo, crítico teatral e repórter, "nunca deve ser dita por um cidadão inteligente", pois fará "interlocutores cultos e elegantes erguerem sobrancelhas de susto." No livro, ele fala do teatro, da Grécia aos dias de hoje, e recomenda:
DICAS
1) As peças "Hamlet", "Édipo", "Prometeu", "Dom Juan" e "Vestido de Noiva" "fazem parte da educação obrigatória de um indivíduo minimamente civilizado";
2) "É bom avisar: não basta ver musicais nas Broadways da vida. É preciso ir além";
3) "Quem impressionará mais em uma conversa sobre música?", pergunta Guzik. "Aquele que só fala de trance e tecno ou o sujeito que discorre com facilidade sobre o canto coral grego, as antífonas medievais, os edifícios harmônicos de Bach, os dodecafônicos, o pop?" Com o teatro, diz, ocorre o mesmo.
A ETIQUETA
Coube à articulista Célia Leão escrever o capítulo com orientações de comportamento que, segundo ela, farão do leitor uma presença mais bem-vinda, um profissional que vende bem a imagem, "enfim, um ser humano mais admirável".
DICAS GERAIS
1) A expressão "muito prazer" soa falsa. Diga "como vai" ao ser apresentado a outra pessoa;
2) Expresse prazer ao conhecer famosos. Diga algo como "Prazer em conhecê-lo pessoalmente!";
3) Em lançamentos de livros ou vernissages, siga a regra dos "s": surgir, saudar, sorrir, sair;
4) "Não existe elegância que resista" a erros de português.
DICAS NO TRABALHO
1) Levante-se da cadeira quando receber a visita de um superior hierárquico;
2) Ao expressar desacordo com o chefe, "enfatize os pontos positivos que existem na opinião dele";
3) Lembre-se: espera na linha quem fez o chamado telefônico.
AS CIDADES
De acordo com o livro, "o mundo, vasto mundo, oferece mil roteiros". Mas só um, afirma Dad Squarisi, que fez o capítulo sobre "grandes destinos", é "essencial": o chamado circuito Elizabeth Arden, que inclui Nova York, Paris, Londres e Roma.
DICAS
1) Dad lista "cinco praças de Roma" para serem visitadas: Campo dei Fiori, Piazza del Campidoglio, Piazza del Popolo, Piazza di Spagna, Piazza Venezia;
2) Em Paris, além de cafés outrora freqüentados por intelectuais, Dad recomenda "explorar as bordas do Sena com suas barraquinhas e livros"; e lista cinco museus: Cluny, de arte medieval, Louvre, Picasso, Rodin, Palais de Chaillot;
3) "Cinco lugares imperdíveis em Londres", segundo ela: Abadia de Westminster, Museu Britânico, Hyde Park, Palácio de Buckingham e Piccadilly Circus;
4) A Harrod's, "loja dos ricos e famosos", diz, "simboliza a aristocracia e a perdição. Em dia pré-marcado, fecha as portas aos pobres mortais para atender à rainha";
5) Cinco lugares de Nova York: Central Park, Metropolitan Museu of Art, MoMa, Quinta Avenida e Rua 57, "o endereço da alta-costura nova-iorquina.
OS LIVROS
"Você está num bar, conversando com amigos (...) e de repente pessoas começam a falar sobre os livros que já leram. E aí você se dá conta de que é como se morasse em um outro planeta", diz o escritor Moacyr Scliar, que indicou livros de ficção. Um livro é chato de ler? "Você precisa insistir consigo mesmo, teimar, não desistir fácil da tarefa de encontrar num livro tão elogiado por tantas pessoas cultas o que pode tê-las atraído", diz o jornalista Daniel Piza, que deu dicas de livros de não-ficção.
CLÁSSICOS
Ficção:
"Ilíada" (Homero)"
As Aventuras de Tom Sawyer" (Mark Twain)"
As Ilusões Perdidas" (Balzac)"
As Viagens de Gulliver" (Jonathan Swift)
"Crime e Castigo" (Dostoiévski)
"Dom Quixote" (Miguel de Cervantes)
"Guerra e Paz" (Tolstoi)
"Madame Bovary" (Flaubert)
"Oliver Twist" (Charles Dickens)
"Os Anos de Aprendizagem de Wilhelm Meister" (Goethe)
Não-ficção:
"Cartas Filosóficas" (Voltaire)
"Elogio da Loucura" (Erasmo de Rotterdam)
"Ensaios" (Montaigne)
"O Anticristo" (Nietzsche)
"O Príncipe" (Maquiavel)
FICÇÃO BRASILEIRA
"A Hora da Estrela" (Clarice Lispector)
"Dom Casmurro" (Machado de Assis)
"Grande Sertão: Veredas" (Guimarães Rosa)
"Macunaíma" (Mário de Andrade)
"Mar Morto" (Jorge Amado)
BIOGRAFIAS
"Churchill" (Roy Jenkins)
"Goya" (Robert Hughes)
"Beethoven" (Lewis Lockwood)
"Einstein" (Abraham Pais)
"Newton" (James Gleick)
OS MUSEUS
Para cumprir a lista básica de museus indicada por Jaime Pinsky, é preciso quase dar a volta ao mundo. E que volta: Paris, Estocolmo, São Petersburgo, Nova York, Jerusalém e Londres.
DICAS
1) É recomendável que se comprem presentes em museus, pois isso denota "cultura e classe". "E você não quer ser culto e elegante?", pergunta Pinsky;
2) Prepare roteiro com antecedência. Tenha personalidade e, na volta, assuma que não viu tudo, mas viu bem;
3) Use roupas e calçados confortáveis. Não corra o perigo de ganhar um calo ou uma bolha;
4) Atrações "imperdíveis" no Louvre: "Mona Lisa", "Vênus de Milo", "O Livro dos Mortos", "O Escriba Sentado", "Morte de uma Virgem", "A Liberdade Conduzindo o Povo", "Rendeira", "A Bela Jardineira" e "Cristo na Cruz".
FILMES
Polemizar sobre cinema "é sempre um tempero capaz de animar a mais monótona das reuniões sociaisociais", acredita o crítico Luciano Ramos, que indicou filmes nacionais e internacionais que podem ajudar o leitor a não boiar nas discussões. Abaixo, uma delas, a dos "melhores filmes de todos os tempos":
LISTA BÁSICA
"Cidadão Kane" (Orson Welles)
"Um Corpo que Cai" (Hitchcock)
"A Regra do Jogo" (Jean Renoir)
"O Poderoso Chefão" (Coppola)
"Uma História em Tóquio" (Yasujiro Ozu)
"2001: Uma Odisséia no Espaço" (Stanley Kubrick)
"O Encouraçado Potemkin" (Eisenstein)
"Aurora" (Friedrich Murnau)
"Oito e meio" (Fellini)
"Cantando na Chuva"
*

Folha de S. Paulo, terça-feira, 25 de outubro de 2005, pág. A2
FERNANDO DE BARROS E SILVA
Como se dar bem...

Acaba de ser lançado um livro muito sintomático e sugestivo. Chama-se "Cultura & Elegância". Seu subtítulo é auto-explicativo: "o que se deve fazer e o que é preciso conhecer para ser uma pessoa culta e elegante". Trata-se de obra coletiva, organizada pelo historiador Jaime Pinsky -livre-docente pela USP e dono da editora responsável (a Contexto). Quem a idealizou foi a socialite e psicanalista Eleonora Mendes Caldeira, que assina as três páginas da apresentação.
"A proposta central do livro", nos explica madame, "é a de que uma pessoa elegante interessa-se necessariamente por cultura. (...) Cultura entendida como produção humana para deleite próprio. (...) Elegância, portanto, não é só saber vestir o corpo com a roupa certa e comportar-se adequadamente. É isso também, mas é mais. É alimentar a alma de maneira harmoniosa".
Estamos diante de algo como o "Grito dos Incluídos". Na pauta de reivindicações cada vez mais ampla do individualismo possessivo, a cultura aparece como um estilo de vida que se consome e ostenta. Ou seja: se é verdade que a cultura está mais do que nunca na moda, então é preciso emprestar-lhe um sentido que nos sirva; livrá-la da sua irritante inutilidade (coisa de derrotados!) e desligá-la de seus elos coletivos e/ou sociais (velharia de esquerdistas!). Cultura, sim, mas para "deleite próprio". "Personal culture" -bem entendidos.
A epígrafe desse manual da novíssima etiqueta nos diz: "Elegância é a arte de não se fazer notar aliada ao cuidado sutil de se deixar distinguir". Assina-a Paul Valéry. Com a palavra o jornalista Daniel Piza: "Ter lido Nietzsche na adolescência, por exemplo, me fez muito bem" (pág. 38); "Outra leitura de adolescência, quase no extremo oposto, foi a de Bertrand Russsel" (pág. 39); "Foi mais ou menos na mesma época que descobri o prazer de ler ensaios, e isso ocorreu com o pai de todos os ensaístas: Michel de Montaigne" (pág. 39); "Efeito semelhante me causou Voltaire" (pág. 40); "Também gosto de ler sobre física" (pág. 42). Talvez por modéstia, para não se fazer notar, o autor deixa de mencionar que o livro com frases de Paulo Francis, que ele também indica ("Waaal - O Dicionário da Corte"), foi organizado por... ele mesmo. Mas não se trata de auto-ajuda?
Jaime Pinsky não fica atrás. Escrevendo sobre museus, nos recomenda: "Programe-se para ver as obras de referência (afinal, todo mundo vai perguntar se você as viu, quando voltar)" (pág. 192). Numa companhia dessa, a consultora de comportamento Célia Leão está em casa: "Vale também para os vernissages a regra do "s': surgir, saudar, sorrir e sair" (pág. 210).
Há, entre os 15 textos que compõem o livro, alguns não-risíveis. Ficam, no entanto, comprometidos de antemão pela monstruosidade do conjunto, ele próprio concebido para ser sério e sofisticado, o que só faz acentuar a piada involuntária em que resulta. Guardadas as proporções, Moacyr Scliar protagoniza o seu "momento Fernando Sabino" quando este escreveu "Zélia -uma Paixão".
Serão essas as tábuas de salvação dos intelectuais: vender-se à estupidez do mercado ou render-se à estupidez dos governantes? Reduzida a ingrediente do banquete da auto-ajuda e do consumo, a cultura transforma-se em veículo do colapso do pensamento ao mesmo tempo em que dá sobrevida estéril àqueles que deveriam pensá-la de forma crítica. "Cultura & Elegância" serve como epitáfio ao túmulo onde jazem juntas as ciências humanas, a universidade pública e a esquerda. Poderia ser incluído na seção de humor ao lado do mais recente livro do Casseta & Planeta.

Fernando de Barros e Silva é editor de Brasil. Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de Roberto Mangabeira Unger, que escreve às terças-feiras nesta coluna.

Thursday, October 20, 2005


O homem "Som Livre"

Depois de saber que, para poder assistir ao documentário “Descobrindo Waltel” (Rede SescSenac, 18/10/05, 15h30min), dirigido por Alessandro Gamo, teria de pagar R$ 349,00 (trezentos e quarenta e nove reais) pelo empréstimo, em comodato, do aparelho decodificador do sinal da TV a cabo, “meu mundo caiu”.

Além da módica quantia, haveria ainda um acréscimo no valor da mensalidade, por causa da “mudança de tecnologia” (do analógico para o digital), disse-me a atendente telefônica da operadora de TV por assinatura. Talvez essa alteração seja atraente para quem tem aqueles monitores de tela plana, plasma, lcd e o escambau, em formato de tela de cinema (o tal 16x9 polegadas), que custam vários milhares de reais.

Para assistir ao curta-metragem num televisor do final dos anos 1.980 não haveria porquê. Poderia ser até em VHS.
*

Não bastasse o filme sobre o músico Waltel Branco (atenção: não se trata do “ou não?” experimentalista Walter Franco, já agraciado anos atrás com alguns minutos de filmagem), pré-estreiou “Viva-volta”, curta-metragem documentário dirigido por Heloisa Passos, sobre o trombonista brasileiro Raul de Souza, o Raulzinho do Trombone, no dia 17/10/05, às 21h00, no MIS (Museu da Imagem e do Som) de São Paulo. Raulzinho tem a favor de si, no momento, o lançamento em DVD do filme “Saravah” (Biscoito Fino/2.005), dirigido por Pierre Barouh. Aficcionado por bossa-nova e por música brasileira desde que participou, como ator e cantor, da versão de Francis Lai para o “Samba da bênção”, de Baden Powell e Vinicius de Moraes, que fez parte da trilha do filme “Um homem e uma mulher” (1.966), de Claude Lelouch, Barouh finalmente conseguiu ter seu filme lançado no país em que o realizou, nos fins da década de 1.960. Raulzinho aparece tocando numa cena que registra o ensaio de um show que Maria Bethânia iria estrelar logo mais.

Salta aos olhos uma certa “modinha” em reascender, através de documentários, “work-shops”, “shows-homenagem”, a carreira destes e de outros artistas responsáveis por emoldurar grande parte das canções da música brasileira de meados dos anos 1.960 até 1.975. Tenta-se vir à tona, como que faltasse reconhecimento em vida, e no próprio país, para poder completar a saga musical que cada um galgou, mesclando-se hierarquicamente nas gravações alheias, mas sem perder o "élan" próprio.

A lista é interminável: Carlos Pipper, Portinho, Lyrio Panicalli, Eumir Deodato, Astor, Nelsinho, Luiz Eça, Cipó, J.T. Meirelles, Celso Murilo, Antonio Adolfo, César Camargo Mariano, Peruzzi, Waltel Branco, Élcio Alvarez, Pachequinho, Carlos Monteiro de Souza, Lyndolpho Gaya, Carioca, Leo Peracchi, Edson Frederico, Chiquinho de Moraes, Erlon Chaves, Mário Castro-Neves, Walter Wanderley, Osmar Milito, Geraldo Vespar, Sérgio Carvalho, Luiz Carlos Vinhas e tantos outros mais...

O paranaense Waltel Branco, em 1.966 idealizou um projeto, que se tornou disco, chamado “Mancini também é samba”, cujo intuito era transpor as composições temáticas de Henry Mancini para ritmos mais cadenciados, para dançar. Ou seja, a idéia era tocar as obras de Mancini em ritmo de samba, mas não aquele samba cru, bruto, de “teleco-teco”, já que se vivia o auge do samba-jazz, com seu balanço de irresistível suingue.

Para auxiliá-lo na pequena, mas atuante gravadora pernambucana Mocambo (Fábrica de Discos Rozenblit), Waltel arregimentou os melhores instrumentistas disponíveis: Salvador Filho (hoje Dom Salvador) no piano, Sérgio Barroso no contra-baixo, Victor Manga na bateria, Pinduca no vibrafone, Aurino Ferreira no sax-barítono, Meirelles no sax-alto e tenor, Edson Maciel e Astor no trombone, o efêmero Pedro Paulo no trumpete, Neco no violão, Rubens Bassini no pandeiro e Jorginho Arena na tumbadora. Sem contar as participações especiais de Julinho Barbosa, Mozart, Hamilton e Maurílio (do elenco da então RCA) no trumpete e K-ximbinho e Cipó no sax-alto e tenor, respectivamente, sumidades em seus instrumentos.

O resultado não poderia ser outro que não a estupefação. Com o repertório que incluía alguns “standards”, como “Moon River”, “Peter Gunn”, “Mr. Lucky” e “The Pink Phanter Theme”, transfigurados em puro balanço samba-jazz e outras composições já demais conhecidas (“Meglio Stasera”, "My Manne Shelley” e “Lightly”), o disco, que, pela capa e pelo ano de lançamento, poderia soar como uma galhofa, é coisa muito séria, dos tempos em que se fazia arte sem pensar em ser moderno, porque "avant-garde", como modernidade somada à ousadia, era aquela.

Monday, October 17, 2005


Inscrito


Leny Andrade não é para qualquer hora. Sua voz rouca, seus “scat singings”, seu ar espalhafatoso e sua postura de cantora norte-americana de jazz, que, como Michael Jackson, consente a voz, mas cala a cor, atrapalha sua audição.

Depuradas, contudo, as questões não-vocais, Leny, em “Registro” (Columbia/Sony-BMG, 1.979), gravou um dos melhores discos de toda a sua carreira, dada a moderação com que usou seus atributos de cantora tecnicista.

Não se pode afirmar com certeza, até porque a reedição do disco em CD não informa sequer quem foi originalmente o produtor da gravação, mas pela seleção musical e pelo “estilo” do disco, parece ter sido Durval Ferreira, o “Gato”, da fonográfica CID (Companhia Industrial de Discos, vide “El CID”), o responsável pela produção do LP.

Além de Durval Ferreira, provável violonista do disco, devem ter participado da gravação Robertinho Silva na bateria, Bebeto Castilhos (tio do “hermano” Marcelo Camelo, mas, antes de tudo, integrante do Tamba Trio) na flauta e João Donato no piano e nos arranjos. Durval Ferreira pelo “balanço zona norte” de seu violão. Robertinho Silva pela sua peculiar batida seca, estática. Bebeto por causa de sua flauta lamentadora, de “Salgueiro chorão”, especialmente em “Meu canário vizinho azul”, de Toninho Horta. E João Donato... Bom, João Donato...

Apesar da produção prolífica dos últimos anos, em que a qualidade nem sempre está presente (aguarda-se o lançamento da sua sinfonia “amazônica”, inspirada pelo clássico Rachmaninov), João Donato criou obras magistrais, de estilo único, “donatiano”, inconfundível, o que faz crer tenha sido o pianista e o arranjador de pelo menos algumas das faixas de “Registro”.

O repertório do disco de Leny traz nomes já então consagrados, como Roberto Menescal (“Vai de vez, em parceria com Lula Freire,%

Monday, October 10, 2005


Pavão, sim; tucano, não

Como se sabe, o tucano e ex-weberiano Fernando Henrique Cardoso tem porte de pavão, mas há muito já mostrou a que veio. Ednardo e “O romance do pavão mysteriozo” (RCA/Sony-BMG, 1.974), ao contrário, deixou escondidas as plumas do pré-desbunde da dita MPB.

Assistindo as letras cultuadas pelas tão queridas “forças ocultas”, havia a produção muito experta do radialista Walter Silva, o Pica-Pau, responsável pela promoção da bossa-nova em São Paulo. Dado o seu perfil um tanto conservador, impossível cogitar que estivesse brincando de produzir discos, aventurando-se no desconhecido, ainda mais tendo em vista ter confiado a elaboração e a execução dos arranjos a Hareton Salvanini, autor de trilha “cult” de pornochanchada (“A virgem de Saint-Tropez”) e de temas para programas da tevê Record (“Cidade alerta”).

Difícil é saber o ponto em que a criatividade humana acaba e cede o lugar à emulação. A faixa n°. 5 do disco é a contribuição de Ednardo para anuviar a questão. “Varal”, no clima dos filmes “blaxpoitation”, com todo o vigor necessário para fazer corar o “cast” da gravadora norte-americana Stax (“Shaft”), talvez tenha posto à prova o recado de Marcos, Paulo Sérgio Valle e Osmar Milito “Ao amigo Tom”, ao tentar convencê-lo a ficar no Brasil, no início da década de 70, para quem, até então “não deu ninguém maior do que Drummond”.

Não deu até hoje e isso é um consenso, mas o “Sentimento do mundo” e a visão crua da realidade reverberaram em Ednardo (pelo menos nesse trecho de “Varal”, composta com Tânia Cabral):

“No varal a roupa ao vento
E no vento a voz da rua
E na rua o transitar
Gente apressada a passar
Na parede o calendário
No calendário outro dia
E no dia a mesma espera
De nada esperar um dia
No umbral da porta já torta
Assombra o sombrio olhar
E no olhar coisas mortas
Que ninguém virá velar
E no olhar coisas mortas
Que ninguém virá velar”

O juízo de valor resta a quem sente.
Colocado originalmente em 04/09/2.005 no domingosjunior.multiply.com.

Thursday, October 06, 2005


Quase lá...

Monday, October 03, 2005


"El CID"



Não, não se trata do herói espanhol Rodrigo Diaz, protagonista do filme que titula esse texto, interpretado pelo presidente da Associação Nacional do Rifle, nos Estados Unidos, Charlton Heston.

O ano é 1.975. Nana Caymmi e Emílio Santiago gravam LPs, pela CID – Companhia Industrial de Discos, do diretor artístico Durval Ferreira, o “Gato”, que, com sua “Batida diferente”, levou um pouco de “balanço zona norte” ao desabrochamento bossa-novista da zona sul carioca do início da década de 60.

O ex-“crooner” da banda de bailes do “rei dos teclados” dos 60 e 70, o cearense Ed Lincoln, e a “Branca”, filha do mulato Dorival, deixaram registradas, em 1.975, sobretudo, músicas de amor. Cada um à sua maneira, Nana e Emílio cantaram coisas do amor, sem se esquecer do suingue, em alta naquele momento, lembrado pelo samba estilizado de “Passarela” (Carlos Dafé) e pelo indefectível “míusiqui” do “Brother” Jorge Ben (Jor).

Dizer que a família Caymmi é uma das mais musicais do país não é nenhuma novidade. Além do patriarca Dorival, para quem “todo caminho deu no mar”, como atesta o pequeno texto escrito por ele para a contracapa do disco de sua descendente, seus três filhos, Dory, Nana e Danilo, também se enveredaram pela música. Dorival é imbatível. É o maior cantador do mar continental do Brasil. Sua fixação pelas águas marinhas foi tanta que se casou com Stella Maris, a Estrela do seu Mar. As suas “canções praieiras” têm a simplicidade e a complexidade dos caiçaras e dos pescadores, subsistentes daquilo que colhem ao redor e dentro do mar.

Mas não só as praieiras, junto com sua voz rouca e firme, foram responsáveis por torná-lo o artista Dorival Caymmi que é. Suas composições românticas de temática universal, feitas durante o período em que morou no Rio de Janeiro, como “Só louco”, “Nem eu”, “Sábado em Copacabana”, usam do amor sem a burocracia e o pedantismo beletrista que caracterizaram as décadas de 40 e 50. São clássicas, pois.

Nana chegou ao auge da sua maturidade profissional nos anos 70 do século passado. Seu disco de 1.975 é talvez a obra mais bem acabada de toda a sua carreira, ao mostrar sua ótima técnica vocal, que lhe é tão cara. Vai rapidamente do grave ao agudo, ligeira. Impressionante. Comovente. Em “Medo de amar”, de Vinicius de Moraes, Nana tenta nos fazer compreender que "o ciúme é o perfume do amor”, só para se ter uma breve noção da intensidade daquilo que sua voz transmite.

Com repertório eclético (de quando atribuir a algo ou alguém essa adjetivação não era ofensivo), parte do nepotismo fraterno dos arranjos de Dory e alcança compositores próximos da sua geração, como Ivan Lins (“Tens”), Carlos Dafé (autor da já citada “Passarela” e de “Acorda que eu quero ver”) e Toninho Horta, com seu “Beijo partido”, mensageiro de lapidar sinceridade.

Para deleite dos fetichistas, o álbum de 1.975 conta com o toque do piano de Tom Jobim em “Canção em modo menor” e, para satisfação dos tecnicistas, com o contracanto de Milton Nascimento em “Ponta de areia”. Acima de tudo, paira a derradeira atuação em disco do simbólico pianista Tenório Jr., vítima fatal do erro mais velado à que a chamada “Operação Condor”, arquitetada pelas ditaduras militares dos países integrantes do Cone Sul, deu causa.

Nana, ainda pela CID, gravou mais um disco em 1.976, “Renascer”, em que começava a aparecer o ranço melodramático caracterizador de suas atuações desde então.

O disco de Emílio Santiago apresenta um plantel de compositores e instrumentistas, das antigas e da hora, capitaneados pelo produtor Durval Ferreira. Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito (“Quero alegria”), Zé Kéti (“Nega Dina”), o flautista Copinha e os trombonistas Maciel representam a “velha guarda”. João Donato, Ivan Lins (“Depois” e “Doa a quem doer”), João Nogueira (“Batendo a porta”), o cultuado grupo Azimuth e o guitarrista Helio Delmiro, além de uma composição do casal Edson e Tita Lobo (“Sessão das dez”), exibem sua mocidade musical.

Emílio acabou perdendo o foco no espectro de cores das “Aquarelas brasileiras”, sem antes deixar consignado “Feito para ouvir” (Phonogram-Universal/1.977), disco de canções amorosas, no limite do romantismo desenfreado.

Nana tentou reinventar-se nos anos 90, gravando um CD de boleros (EMI-Odeon/1.993) e outro em homenagem a Dolores Duran (“A noite do meu bem”, EMI-Odeon/1.994).

A CID, por sua vez, acompanhou, à sombra, o trajeto em declive de Emílio Santiago, ou vice-versa. No fim da década de 80, a gravadora “lançava” LPs de “covers” de Julio Iglesias, embalados por capas com mulheres de maiô, vendidos nos supermercados da hiperinflação. Em seu catálogo, constam coletâneas e mais coletâneas de músicas, digamos, eufemisticamente, “românticas”.

A indústria discográfica de Durval Ferreira garantiu-lhe sustento ao longo da vida, pondo na ciranda discos do malandro Bezerra da Silva, sucesso em vendas, mas não propiciou seu “début” solo, ocorrido em 2.004 (!), com a gravação de “Batida diferente”, seu primeiro disco autoral, pelo selo então recém-inaugurado, “Guanabara Records”, idealizado por “amigos do Rio”. Por que demorou tanto tempo para lançar um álbum próprio e ainda por outra gravadora? Com ou sem vergonha? Pura ironia? Não importando a resposta dada, “Estamos aí”.
Fotos: Alexandre de Souza Lima e Ronaldo Cientista
Colocado originalmente em 15/08/05 no domingosjunior.multiply.com